pergunta como vai?
para dizer como vou.
Tuesday, December 06, 2011
Friday, April 29, 2011
Wednesday, January 12, 2011
aquário
distraída, encaixei meu ouvido
no lugar errado.
minha sombra aponta pra outro
lado - onde o mesmo sol nasce.
(a vontade de esquecer o susto
de ter vislumbrado a quase-sensação
mais uma vez.)
refleti tua imagem no meu espelho
mas foi insuficiente;
o teu reflexo é na água,
impreciso, movido a maré,
belo narciso.
no lugar errado.
minha sombra aponta pra outro
lado - onde o mesmo sol nasce.
(a vontade de esquecer o susto
de ter vislumbrado a quase-sensação
mais uma vez.)
refleti tua imagem no meu espelho
mas foi insuficiente;
o teu reflexo é na água,
impreciso, movido a maré,
belo narciso.
Friday, December 17, 2010
Friday, November 19, 2010
em 16/07/08
a página em branco compadece
da mesma solidão
ela é passada para trás
como eu,
sem chance de retratar
a ausência
palavra por palavra
em silêncio
sem escrita
compadecemos
ela e eu.
Friday, September 03, 2010
Friday, May 21, 2010
hiver
deixa pra lá
esta urgência de ser
este meio-de-campo atravancado
esta mira permanente no simpósio das idéias finais
deixa pra lá
este mofo do presente
este amor tardio
esta certeza
aceita o toque de recolher.
esta urgência de ser
este meio-de-campo atravancado
esta mira permanente no simpósio das idéias finais
deixa pra lá
este mofo do presente
este amor tardio
esta certeza
aceita o toque de recolher.
julho
o laço é o infinito com pernas
rumo à finitude do instante em que
puxadas as pernas
vira mera fita.
rumo à finitude do instante em que
puxadas as pernas
vira mera fita.
Friday, May 14, 2010
eu já fugi pra dentro
tantas vezes que
nem lembro mais.
me assombrei, retirei
tudo de fora e
enfurnei como quem
guarda o que não pode
perder.
fugi pra dentro de você
uma vez por dia
durante todos eles,
eu fugia.
como quem guarda
o que não pode
perder.
a fuga maior, a sua,
é pra fora.
um risco inspira
uma fuga
que é um risco
de caneta
num passaporte
qualquer
em um aeroporto
cheio de fugitivos
e de encontrados.
a fuga futura já é
presente,
talvez seja até
passada;
a fuga já nasce
fugaz.
nem lembro mais.
me assombrei, retirei
tudo de fora e
enfurnei como quem
guarda o que não pode
perder.
fugi pra dentro de você
uma vez por dia
durante todos eles,
eu fugia.
como quem guarda
o que não pode
perder.
a fuga maior, a sua,
é pra fora.
um risco inspira
uma fuga
que é um risco
de caneta
num passaporte
qualquer
em um aeroporto
cheio de fugitivos
e de encontrados.
a fuga futura já é
presente,
talvez seja até
passada;
a fuga já nasce
fugaz.
Tuesday, June 23, 2009
Tuesday, May 12, 2009
"o gozo estava presente mesmo sem ter dono, mesmo que a garota não percebesse o gozo que se tornava riso, frases soltas, prosas de amigas; mas algo nela sabia, sua risada era a mais aguda, seus gestos os mais exagerados, estava fora de si, entregue a uma força que ela mesma provocava e recebia, hermafrodita inocente buscando a fusão conciliadora, devolvendo em folhagem estremecida tanta seiva bruta."
Julio Cortázar em "Ciclismo em Grignan"
Julio Cortázar em "Ciclismo em Grignan"
Tuesday, May 05, 2009
Stichwort
no proscênio há respiro
suficiente para a falta
que o suspiro traz.
não se pode levar tudo pra boca de cena.
certas calhas têm lugar
marcado
talhado
cravado
no fundo do palco.
sem elas, o mergulho superficial
é supremacia anônima.
suficiente para a falta
que o suspiro traz.
não se pode levar tudo pra boca de cena.
certas calhas têm lugar
marcado
talhado
cravado
no fundo do palco.
sem elas, o mergulho superficial
é supremacia anônima.
Friday, April 24, 2009
Monday, March 09, 2009
certeza
o que segura os pés no chão
não é a certeza do espelho
partido com a dúvida que
assombra, conformada,
à espera de um novo golpe.
é o próprio tumulto que mantém,
sabiamente, certas lacunas vazias.
não é a certeza do espelho
partido com a dúvida que
assombra, conformada,
à espera de um novo golpe.
é o próprio tumulto que mantém,
sabiamente, certas lacunas vazias.
Friday, March 06, 2009
Friday, February 27, 2009
eu não sabia que você existia
até sonhar
com asas nos pés.
traduzi,
en silence,
verso por verso
do poema
inscrito na parede
do bar da esquina
lá, onde eu não
freqüentei,
te vi sorrir
e girar na dança
só sua
mais um carrossel -
carousel -
e não sinto mais
meus pés-pieds.
com asas nos pés.
traduzi,
en silence,
verso por verso
do poema
inscrito na parede
do bar da esquina
lá, onde eu não
freqüentei,
te vi sorrir
e girar na dança
só sua
mais um carrossel -
carousel -
e não sinto mais
meus pés-pieds.
Thursday, January 29, 2009
Thursday, December 04, 2008
Thursday, November 27, 2008
jeitinho
"It pained him tremendously that their wedding night was not simple, when their love was so obvious"
em On Chesil Beach, de Ian McEwan
em On Chesil Beach, de Ian McEwan
Thursday, October 30, 2008
respiro
Tuesday, October 28, 2008
subtexto
Sempre queremos ter todas as evidências da posição que ocupamos. Sempre. Carimbo na folha que diz "sou especial", com assinatura registrada em cartório e cuspe para comprovar, no amassado do papel, que o documento foi revisado por cinco pessoas que mal sabiam da verdade. Quanta formalidade para entendermos que aquilo não vale nada. É um papel, mera soma de cuspe e caneta e árvores mortas. Comparado ao olhar na cama, ao abraço em que o outro se acomoda perfeitamente nos seus braços e, quentinho, te ouve dormir. O que seria da poesia se tudo precisasse ser tão explorado por todos, tão claro paraomundointeiro, tão explícito, que não haveria nada de íntimo para colocar em entrelinhas. A intimidade que se constrói estando com a pessoa amada não diz respeito a muitos. Só quem ama sabe porque, e como, ama. Só quem é amado sabe reconhecer o amor nos gestos menos amorosos.
Prefiro me transformar na despistada sem glamour, sem faixa de eu te amo, sem flores na recepção, sem violinos na despedida.
Talvez eu prefira, mesmo, a autenticidade do telefone desligado na cara e do beijo na madrugada, de olhos fechados, sem ver teu rosto, mas sabendo que ele me olha mesmo sem ver.
Prefiro me transformar na despistada sem glamour, sem faixa de eu te amo, sem flores na recepção, sem violinos na despedida.
Talvez eu prefira, mesmo, a autenticidade do telefone desligado na cara e do beijo na madrugada, de olhos fechados, sem ver teu rosto, mas sabendo que ele me olha mesmo sem ver.
Friday, October 17, 2008
fora de quadro
deixei o teu bolo em versos de lado
pra saber o que seria eu
do lado de lá
do espelho da cozinha
pra saber o que seria eu
do lado de lá
do espelho da cozinha
Thursday, October 16, 2008
rosário
um bom café na tarde
de coador
sem qualquer glamour
não-expresso
na delícia de ser simples
numa rede que enxerga,
de longe,
prédios imensos
com janelinhas
atravancadas de dor.
de coador
sem qualquer glamour
não-expresso
na delícia de ser simples
numa rede que enxerga,
de longe,
prédios imensos
com janelinhas
atravancadas de dor.
Thursday, September 18, 2008
Monday, August 11, 2008
Friday, July 25, 2008
Wednesday, July 23, 2008
O restante
"Estava consciente de que, ‘quanto tudo tiver sido dito, tudo ficará por dizer, sempre restará tudo a dizer‘ - em outras palavras, é o dizer que importa, não o dito -, isso que eu tinha escrito me interessa muito menos do que aquilo que poderia vir a escrever em seguida. Acho que isso é verdade para todo escrevedor/escritor."
de André Gorz, em "Carta a D."
de André Gorz, em "Carta a D."
Tuesday, July 22, 2008
Revelação
"Somos mortais porque vivemos no passado e no futuro – porque lembramos um tempo em que não existíamos e antevemos um tempo em que estaremos mortos. Aqueles versos chegaram a mim através de sua música. Eu pensava que a linguagem fosse um modo de dizer as coisas, de externar queixas, de dizer que se estava feliz ou triste etc. Mas quando escutei aqueles versos (e os continuo estudando, em certo sentido, desde então), soube que a linguagem podia também ser música e paixão. E assim me foi revelada."
(Jorge Luis Borges, em "Esse ofício do verso")
(Jorge Luis Borges, em "Esse ofício do verso")
Wednesday, July 16, 2008
sobre o amor
"Você era quem punha entre parênteses esse mundo ameaçador."
André Gorz, em "Carta a D."
André Gorz, em "Carta a D."
Thursday, July 10, 2008
Orfeu + Eurídice
Silencia as sereias que te silenciam
com ou sem
lira.
Aposta nisso e te vira;
há mais música no silêncio
do que pode ouvir.
Pressente a lira calada
em ti.
Pega o vulto e dança
a dança dos perdidos
que sofrem pelo intocável.
O mistério não é o canto da sereia,
e sim a pausa.
Guarda tua estátua de sal
e toma pra ti apenas
o que é suficiente:
aquele suspiro.
com ou sem
lira.
Aposta nisso e te vira;
há mais música no silêncio
do que pode ouvir.
Pressente a lira calada
em ti.
Pega o vulto e dança
a dança dos perdidos
que sofrem pelo intocável.
O mistério não é o canto da sereia,
e sim a pausa.
Guarda tua estátua de sal
e toma pra ti apenas
o que é suficiente:
aquele suspiro.
Wednesday, July 09, 2008
Lição: silêncio
"Mantinha os olhos fixos nos lábios de Hervé Joncour, como se fossem as últimas linhas de uma carta de adeus."
(de Alessandro Baricco, em Seda)
(de Alessandro Baricco, em Seda)
Monday, June 09, 2008
Being aristocratic
"'That's the great thing,' Isabel solemnly pondered; 'that's the supreme good fortune: to be in a better position for appreciating people then they are for appreciating you.' And she added that such, when one considered it, was simply the essence of aristocratic situation. In this light, if in none other, one should aim at the aristocratic situation."
(de Henry James, em The portrait of a lady - copiado da querida amiga Luiza)
(de Henry James, em The portrait of a lady - copiado da querida amiga Luiza)
Wednesday, May 07, 2008
incompleto
era um romance
epistolar
sem selos,
só com a intenção
da correspondência.
pausa dramática
como clímax
concebeu uma
historinha
sem registro.
epistolei o subtexto.
epistolar
sem selos,
só com a intenção
da correspondência.
pausa dramática
como clímax
concebeu uma
historinha
sem registro.
epistolei o subtexto.
Êxtase
"Apesar dos seus trinta anos, Bertha Young ainda tinha desses momentos em que ela queria correr em vez de caminhar, ensaiar passos de dança subindo e descendo da calçada, sair rolando um aro pela rua, jogar qualquer coisa para o alto e agarrar outra vez em pleno ar, ou apenas ficar quieta e simplesmente rir - rir - à-toa."
Início do conto "Bliss", de Katherine Mansfield - tradução de Ana Cristina Cesar.
Início do conto "Bliss", de Katherine Mansfield - tradução de Ana Cristina Cesar.
Monday, May 05, 2008
japão
Chove nas ruas desertas
do centro que é
periferia.
Do lado de dentro
há violinos e suspiros
e stimmung.
O adágio ficou pra trás
sem ser interrompido.
Há som no silêncio
aparente, meu bem.
Percebo o novo desejo:
um conjunto de chá -
louça chinesa -
bem aristocrático
num dia de frio
em nossa lareira.
do centro que é
periferia.
Do lado de dentro
há violinos e suspiros
e stimmung.
O adágio ficou pra trás
sem ser interrompido.
Há som no silêncio
aparente, meu bem.
Percebo o novo desejo:
um conjunto de chá -
louça chinesa -
bem aristocrático
num dia de frio
em nossa lareira.
Wednesday, April 30, 2008
Fala entupida
You speak a language that I understand not.
"The Winter's Tale", de William Shakespeare.
"The Winter's Tale", de William Shakespeare.
lareira
a falta do olhar em mim preenche
um espaço, que traz em si
uma dúvida.
não há ausência na falta –
ele disse lá atrás e eu confirmo:
ela é cheia de conteúdos que
exaltam o vazio decrescente
de um conhecimento inato.
o frio já chegou, o quente
do quarto ainda existe
pra provar que na falta existe aconchego.
de dentro pra fora as faltas
vão ocupando um espaço
inverso àquele que um dia foi a origem
do receio de ir.
da janela inclinada é possível ver
que amanhã pode fazer um lindo
novo dia.
um espaço, que traz em si
uma dúvida.
não há ausência na falta –
ele disse lá atrás e eu confirmo:
ela é cheia de conteúdos que
exaltam o vazio decrescente
de um conhecimento inato.
o frio já chegou, o quente
do quarto ainda existe
pra provar que na falta existe aconchego.
de dentro pra fora as faltas
vão ocupando um espaço
inverso àquele que um dia foi a origem
do receio de ir.
da janela inclinada é possível ver
que amanhã pode fazer um lindo
novo dia.
Tuesday, April 29, 2008
Sala Vazia
A mobília de mogno perpetua
entre a indecisão do brocado
sua tertúlia de sempre.
Os daguerreótipos
mentem sua falsa proximidade
de tempo detido em um espelho
e se perdem perante nosso exame
como datas inúteis
de esmaecidos aniversários.
Há muito tempo
suas vozes aflitas nos procuram
e agora existem apenas
nas primeiras manhãs de nossa infância.
A luz do dia de hoje
exalta os vidros da janela
ao vir da rua de clamor e vertigem
e confina e apaga a tênue voz
dos antepassados.
de Jorge Luis Borges
entre a indecisão do brocado
sua tertúlia de sempre.
Os daguerreótipos
mentem sua falsa proximidade
de tempo detido em um espelho
e se perdem perante nosso exame
como datas inúteis
de esmaecidos aniversários.
Há muito tempo
suas vozes aflitas nos procuram
e agora existem apenas
nas primeiras manhãs de nossa infância.
A luz do dia de hoje
exalta os vidros da janela
ao vir da rua de clamor e vertigem
e confina e apaga a tênue voz
dos antepassados.
de Jorge Luis Borges
Friday, April 18, 2008
Monday, April 14, 2008
a questão
“Yet we cannot live our daily lives in a realm of pure ideas, cocooned from sense-experience. The question is not, How can we keep the imagination pure, protected from the onslaughts of reality? The question has to be, Can we find a way for the two to coexist?”
DISGRACE, de J.M. Coetzee
DISGRACE, de J.M. Coetzee
Thursday, April 10, 2008
de verdade
"After six months or so she gave in and married him without reciprocating love but devotedly, honestly, determined to give her full share and try hard to give even more. They were both capable of compassion and gentleness. When they made love they no longer hurt each other but strove to be attentive and generous. Teaching and learning. Getting close. Not pretending."
TO KNOW A WOMAN, de Amós Oz
TO KNOW A WOMAN, de Amós Oz
heights
Me perdi no teu domínio da língua
que me domina
como você
me usa como advérbio
pra determinar tempo curto
e passado.
que me domina
como você
me usa como advérbio
pra determinar tempo curto
e passado.
Tuesday, March 18, 2008
Não-diário roubado
15 de janeiro
o cavalo marinho me olha dormir
e é com ele que eu sonho.
18 de março
três meses de sonhos
e sonos.
o cavalo marinho me olha dormir
e é com ele que eu sonho.
18 de março
três meses de sonhos
e sonos.
Wednesday, January 16, 2008
Clichê
Ela era um clichê. Enquanto ouvia a Primavera de Vivaldi e encenava mentalmente um longo plano-sequência em que estalava os dedos, em frente ao laptop, e os mexia como um pianista e suas articulações. Que grande idéia precisa vir, que grande texto sairá dessas pontas de dedos com unhas escuras decadentemente descascadas. Esse seria o subtexto. Mas o texto seria outro.
“O que fazer quando se tem vontade mas não se tem idéia?”
Há muito mais idéias em mim do que mim nas minhas idéias, ela pensaria se deixasse espaço para trocas despreocupadas de pronomes oblíquos por pessoais. Fazia tempo que não usava esses termos. Talvez nem lembrasse mais deles. Talvez estivessem errados.
O clichê se manifesta de diversas formas mas o mais claro, para ela, é a falta de foco. Se fosse mais corajosa, tomaria uma dose de whiskie ainda vestindo a camisola de florzinha que ganhou da avó no Natal. Pegaria um cigarro de filtro amarelo e se sentiria uma prima distante de Byron. Uma prima tropical, que sonha com grandes gestos românticos, com a morte na juventude, com a fama póstuma. Mas já é tarde. Já é velha pra morrer cedo.
Vivaldi fica em segundo plano no momento em que os carros buzinam na rua e ela vai até a janela olhar o que acontece. Um engarrafamento. Um simples engarrafamento acontece na porta de seu prédio, a partir de uma moça de carro azul metálico que tenta fazer uma baliza e impede que os outros carros passem no sinal verde. O sinal fecha. Os carros buzinam, demonstram irritação os motoristas. Vivaldi aumenta o volume – não literalmente, é claro. O adágio do começo do parágrafo acaba e agora um andante passa a ser ouvido até pelas buzinas. Há todo um descontrole. Buzina em forma de corneta, parece.
Há corneta em Vivaldi? Violinos, há. Aos montes, as cordas acordam e gritam a resposta. Bobinha, nem sabe nada de música e fica tentando classificar o tom da buzina.
A camisola florida sai da janela, e acende um cigarro fictício que só existe no plano-sequência. Na realidade não entra cigarro no quarto. Odeia o cheiro de cigarro dentro de um lugar fechado. Acha chato pensar isso, muda de assunto porque o fluxo do pensamento é seu e nada pode interferir a sua vontade de ser interessante. O copo de whiskie já esvaziou, porque houve um corte e o plano-sequência acabou. Uma série de pequenos planos próximos, bem fechados, mostram suas unhas descascadas e a fumaça de cigarro em cima do teclado branco já muito sujo. Contra-baixo marca a montagem. Uma nota, um corte. Uma nota, um corte. Planos rápidos, clima montado. É facil criar clima através da montagem, ela sempre diz.
Tenta acompanhar o ritmo da música nas pontas dos dedos nas teclas com letras que imagina serem notas musicais. Palavras são notas, são música nos ouvidos dela, porque escrever é também ouvir. Ouve-se a sua própria voz lendo as palavras que inventa, ao mesmo tempo em que elas são inventadas. Como se a mente soprasse pros dedos as palavras, sussurrasse no pé do ouvido dos dedos, como se revelasse uma senha secreta, piano. Piano entra.
Há uma ruptura na peça. Ou no arquivo digital em que a peça está inserida e um silêncio toma conta do quarto.
Comove-se com o silêncio.
Em todos os níveis, sempre. O silêncio é uma pausa que a ensurdece porque nele cabe tudo e não cabe nada. Há sempre espaço faltando e espaço sobrando no silêncio. Há sempre uma promessa que está por vir. Há sempre uma decepção. O silêncio a acompanha no ritmo dos seus dedos. O silêncio é dela. Estala os dedos, sem pressa, ajeita a camisola, coça o olho direito que está ressecado por causa da fumaça do cigarro aceso dentro do quarto fechado. Há uma vocação para a depressão que a deixa irritada. Gosta de um drama, de uma cena. O silêncio privilegia o drama. Na comédia é preciso que haja a risada, senão fica sem saber se está agradando o público. O silêncio no drama é aplauso. É aprovação. Tosses, pigarros e ruídos de cadeiras velhas são a glória para o drama. Desconforto. Silêncio e desconforto. Não entende porque pensa agora em teatro. Foi parar no teatro a partir de quê, mesmo? Não compreende como chegou ali. Antes, quando pensava em silêncio, vinha a imagem de uma biblioteca imensa, cheia de estantes de madeira escura, coberta de edições encadernadas de belos livros antigos. Daqueles com letrinhas douradas na lombada. Aqueles que a gente chama de livro. Quando pensa em livro, na palavra livro, no objeto livro, pensa nessas lombadas. Há uma magnitude diferente. Livro é aquilo. Os romances que lê todos os dias são outra coisa, são desapegados da mítica dos livros, são meros produtos de perfumaria intelectual.
Tosse. Tosse três vezes. Desconforto ou excesso de fumo fictício?
O primeiro “tosse” era substantivo. O segundo, verbo. Deu pra entender? Quis deixar o duplo sentido. Será uma repetição do substantivo ou terá sido uma elipse de pessoa? Poderia dizer “ela tosse”. Mas prefere assim, porque a música a deixou confusa por uns instantes e a porta se abriu e deu pra ouvir o Jornal Hoje na televisão da sala. E a tosse parou, talvez por causa do susto, como um soluço.
“É o meu primeiro romance” – a personagem falou. E foi lindo, porque é ao mesmo tempo o primeiro romance que ela escreveu, uma vez que o começou quando ainda era uma estudante de enfermagem na guerra, mas também porque foi a primeira história que construiu, a partir de uma observação equivocada sobre fatos que ocorreram num verão quando tinha onze anos. Criar uma história aos onze anos e a publicar aos setenta e sete deve ser um alívio e um horror. Se ainda fantasiasse com o plano-seqüência, não teria deixado a trilha sonora mudar como agora. E se realmente vivesse um clichê interminável, ouviria uma velha vitrola e o disco arranharia e voltaria ao adágio do momento em que o carro buzinou e ela levantou com a camisola florida.
Mas a realidade é cruel. Já acabou o Outono de Vivaldi. E a próxima faixa, a que toca agora, ao mesmo tempo em que ela ouve num volume muito baixinho as palavras sussurradas na ponta dos dedos, é Someone to Watch Over Me. Quase não as ouve mais, só parte delas, faz um grande esforço pra ouvir mas a mente está rouca, cansada, emudecida.
Silêncio. Tosse.
“O que fazer quando se tem vontade mas não se tem idéia?”
Há muito mais idéias em mim do que mim nas minhas idéias, ela pensaria se deixasse espaço para trocas despreocupadas de pronomes oblíquos por pessoais. Fazia tempo que não usava esses termos. Talvez nem lembrasse mais deles. Talvez estivessem errados.
O clichê se manifesta de diversas formas mas o mais claro, para ela, é a falta de foco. Se fosse mais corajosa, tomaria uma dose de whiskie ainda vestindo a camisola de florzinha que ganhou da avó no Natal. Pegaria um cigarro de filtro amarelo e se sentiria uma prima distante de Byron. Uma prima tropical, que sonha com grandes gestos românticos, com a morte na juventude, com a fama póstuma. Mas já é tarde. Já é velha pra morrer cedo.
Vivaldi fica em segundo plano no momento em que os carros buzinam na rua e ela vai até a janela olhar o que acontece. Um engarrafamento. Um simples engarrafamento acontece na porta de seu prédio, a partir de uma moça de carro azul metálico que tenta fazer uma baliza e impede que os outros carros passem no sinal verde. O sinal fecha. Os carros buzinam, demonstram irritação os motoristas. Vivaldi aumenta o volume – não literalmente, é claro. O adágio do começo do parágrafo acaba e agora um andante passa a ser ouvido até pelas buzinas. Há todo um descontrole. Buzina em forma de corneta, parece.
Há corneta em Vivaldi? Violinos, há. Aos montes, as cordas acordam e gritam a resposta. Bobinha, nem sabe nada de música e fica tentando classificar o tom da buzina.
A camisola florida sai da janela, e acende um cigarro fictício que só existe no plano-sequência. Na realidade não entra cigarro no quarto. Odeia o cheiro de cigarro dentro de um lugar fechado. Acha chato pensar isso, muda de assunto porque o fluxo do pensamento é seu e nada pode interferir a sua vontade de ser interessante. O copo de whiskie já esvaziou, porque houve um corte e o plano-sequência acabou. Uma série de pequenos planos próximos, bem fechados, mostram suas unhas descascadas e a fumaça de cigarro em cima do teclado branco já muito sujo. Contra-baixo marca a montagem. Uma nota, um corte. Uma nota, um corte. Planos rápidos, clima montado. É facil criar clima através da montagem, ela sempre diz.
Tenta acompanhar o ritmo da música nas pontas dos dedos nas teclas com letras que imagina serem notas musicais. Palavras são notas, são música nos ouvidos dela, porque escrever é também ouvir. Ouve-se a sua própria voz lendo as palavras que inventa, ao mesmo tempo em que elas são inventadas. Como se a mente soprasse pros dedos as palavras, sussurrasse no pé do ouvido dos dedos, como se revelasse uma senha secreta, piano. Piano entra.
Há uma ruptura na peça. Ou no arquivo digital em que a peça está inserida e um silêncio toma conta do quarto.
Comove-se com o silêncio.
Em todos os níveis, sempre. O silêncio é uma pausa que a ensurdece porque nele cabe tudo e não cabe nada. Há sempre espaço faltando e espaço sobrando no silêncio. Há sempre uma promessa que está por vir. Há sempre uma decepção. O silêncio a acompanha no ritmo dos seus dedos. O silêncio é dela. Estala os dedos, sem pressa, ajeita a camisola, coça o olho direito que está ressecado por causa da fumaça do cigarro aceso dentro do quarto fechado. Há uma vocação para a depressão que a deixa irritada. Gosta de um drama, de uma cena. O silêncio privilegia o drama. Na comédia é preciso que haja a risada, senão fica sem saber se está agradando o público. O silêncio no drama é aplauso. É aprovação. Tosses, pigarros e ruídos de cadeiras velhas são a glória para o drama. Desconforto. Silêncio e desconforto. Não entende porque pensa agora em teatro. Foi parar no teatro a partir de quê, mesmo? Não compreende como chegou ali. Antes, quando pensava em silêncio, vinha a imagem de uma biblioteca imensa, cheia de estantes de madeira escura, coberta de edições encadernadas de belos livros antigos. Daqueles com letrinhas douradas na lombada. Aqueles que a gente chama de livro. Quando pensa em livro, na palavra livro, no objeto livro, pensa nessas lombadas. Há uma magnitude diferente. Livro é aquilo. Os romances que lê todos os dias são outra coisa, são desapegados da mítica dos livros, são meros produtos de perfumaria intelectual.
Tosse. Tosse três vezes. Desconforto ou excesso de fumo fictício?
O primeiro “tosse” era substantivo. O segundo, verbo. Deu pra entender? Quis deixar o duplo sentido. Será uma repetição do substantivo ou terá sido uma elipse de pessoa? Poderia dizer “ela tosse”. Mas prefere assim, porque a música a deixou confusa por uns instantes e a porta se abriu e deu pra ouvir o Jornal Hoje na televisão da sala. E a tosse parou, talvez por causa do susto, como um soluço.
“É o meu primeiro romance” – a personagem falou. E foi lindo, porque é ao mesmo tempo o primeiro romance que ela escreveu, uma vez que o começou quando ainda era uma estudante de enfermagem na guerra, mas também porque foi a primeira história que construiu, a partir de uma observação equivocada sobre fatos que ocorreram num verão quando tinha onze anos. Criar uma história aos onze anos e a publicar aos setenta e sete deve ser um alívio e um horror. Se ainda fantasiasse com o plano-seqüência, não teria deixado a trilha sonora mudar como agora. E se realmente vivesse um clichê interminável, ouviria uma velha vitrola e o disco arranharia e voltaria ao adágio do momento em que o carro buzinou e ela levantou com a camisola florida.
Mas a realidade é cruel. Já acabou o Outono de Vivaldi. E a próxima faixa, a que toca agora, ao mesmo tempo em que ela ouve num volume muito baixinho as palavras sussurradas na ponta dos dedos, é Someone to Watch Over Me. Quase não as ouve mais, só parte delas, faz um grande esforço pra ouvir mas a mente está rouca, cansada, emudecida.
Silêncio. Tosse.
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Friday, January 11, 2008
Resolução
Nota para mim mesma: em 2008, evitar ser acusada por pseudo-criações. Evitar receber emails que envolvam as palavras "produziu essa ficção" - quando não há ficção, só vida real.
Evitar ficções, confusões e relações desnecessárias.
Só as necessárias serão aceitas.
Evitar ficções, confusões e relações desnecessárias.
Só as necessárias serão aceitas.
Wednesday, January 02, 2008
Não-diário roubado
1 de novembro
a sala de espera
me ensina
a doce loucura
da espera ativa
na luz encantadora
dos olhos passados.
----------
dance, magritte, dance
que eu olho com os grandes
que tenho, curiosos,
lembro de você na parede
com a luz novaiorquina
tão rica de lembranças
e suspiros.
agora é aqui,
tua cópia é original
pra mim.
30 de dezembro
O não-diário quase que caiu em desuso
na cidade cinza.
Não há entradas,
só saídas.
A maior saída é ela.
O não-diário retroativo
Pode-se escrever diário
Apenas de memória
Com a lembrança dos dias
Em silêncio?
Se sim:
19 de dezembro
suas palavras de ontem
se fazem presentes e reais
um presente
de Natal
sem fita
com laço.
20 de dezembro
Rumo a um desconhecido
estar em mim.
Doce novidade,
cheia de medos
e vozes efêmeras.
25 de dezembro
a saudade comprova a certeza do que eu quero
30 de dezembro
O ano se despede de mim
com um sorriso sacana
“Pensou que sabia tudo, é?”
Não sei de nada, 2007.
Avisa pro seu amigo 2008
que esse ritmo do fim de ano
foi ótimo
e que surpresas são bem-vindas desde janeiro.
Não deixe pra dezembro, 2008,
por favor.
Obrigada,
L.
a sala de espera
me ensina
a doce loucura
da espera ativa
na luz encantadora
dos olhos passados.
----------
dance, magritte, dance
que eu olho com os grandes
que tenho, curiosos,
lembro de você na parede
com a luz novaiorquina
tão rica de lembranças
e suspiros.
agora é aqui,
tua cópia é original
pra mim.
30 de dezembro
O não-diário quase que caiu em desuso
na cidade cinza.
Não há entradas,
só saídas.
A maior saída é ela.
O não-diário retroativo
Pode-se escrever diário
Apenas de memória
Com a lembrança dos dias
Em silêncio?
Se sim:
19 de dezembro
suas palavras de ontem
se fazem presentes e reais
um presente
de Natal
sem fita
com laço.
20 de dezembro
Rumo a um desconhecido
estar em mim.
Doce novidade,
cheia de medos
e vozes efêmeras.
25 de dezembro
a saudade comprova a certeza do que eu quero
30 de dezembro
O ano se despede de mim
com um sorriso sacana
“Pensou que sabia tudo, é?”
Não sei de nada, 2007.
Avisa pro seu amigo 2008
que esse ritmo do fim de ano
foi ótimo
e que surpresas são bem-vindas desde janeiro.
Não deixe pra dezembro, 2008,
por favor.
Obrigada,
L.
Saturday, December 22, 2007
Realejo na Vila Madalena
"SORTE - Fostes amável para com todos, e por esse motivo tivesses muitos desgostos que foram causa de magoar teu coração. Porém com o decorrer dos dias tudo mudará. Não desanimes nunca. Confia na Estrela do teu nascimento que irá surpreender com uma notícia agradável. Há uma pessoa que segue teus passos, porém em silêncio. Esta pessoa há de fazer-te muito feliz e dedicar-te-á muito amor, tal como sonhas no teu pensar. Serás mãe carinhosa de 3 lindos anjos que hão de coroar-te de felicidade. Terás sorte na Loteria com o número 14111."
Thursday, December 20, 2007
Branco
encontrei, dissonantes,
as minhas palavras perdidas
perfeitamente ordenadas
chego mais perto
educo o silêncio calado em mim
exponho o imprevisível
gostar a partir do receio
de ir
me dá colo
que eu calo o futuro pranto
dos teus olhos de marfim
as minhas palavras perdidas
perfeitamente ordenadas
chego mais perto
educo o silêncio calado em mim
exponho o imprevisível
gostar a partir do receio
de ir
me dá colo
que eu calo o futuro pranto
dos teus olhos de marfim
Monday, December 17, 2007
Personagem
Querida L.,
Me acostumei a viver com essa dorzinha, todos os dias, durante muito tempo. E essa dor acabava por suprir minha necessidade de sentir. E eu boicotei outros tipos de dor, ou de emoções variadas, de forma que passei a ser aquela personagem que se mostra através do "brilho", da "graça" e não do que está sentindo de fato. E a presença da dor é quase que um refúgio, né? Acredito nisso, no apego que construímos em relação à dor. Porque ela, muitas vezes, é o que estamos acostumadas a sentir e então é mais simples se relacionar com o que já sabemos lidar. As novas dores são sempre piores, desconhecidas, obscuras. E, talvez, mais dolorosas.
E é por isso que esta é uma carta de despedida. Não preciso mais de você; quero novidade. Sou muito grata - entenda, por favor.
Beijo,
L.
Me acostumei a viver com essa dorzinha, todos os dias, durante muito tempo. E essa dor acabava por suprir minha necessidade de sentir. E eu boicotei outros tipos de dor, ou de emoções variadas, de forma que passei a ser aquela personagem que se mostra através do "brilho", da "graça" e não do que está sentindo de fato. E a presença da dor é quase que um refúgio, né? Acredito nisso, no apego que construímos em relação à dor. Porque ela, muitas vezes, é o que estamos acostumadas a sentir e então é mais simples se relacionar com o que já sabemos lidar. As novas dores são sempre piores, desconhecidas, obscuras. E, talvez, mais dolorosas.
E é por isso que esta é uma carta de despedida. Não preciso mais de você; quero novidade. Sou muito grata - entenda, por favor.
Beijo,
L.
Noite Carioca
Diálogo de surdos, não: amistoso no frio.
Atravanco na contramão. Suspiros no
contrafluxo. Te apresento a mulher mais discreta
do mundo: essa que não tem nenhum segredo.
Ana C.
Atravanco na contramão. Suspiros no
contrafluxo. Te apresento a mulher mais discreta
do mundo: essa que não tem nenhum segredo.
Ana C.
Monday, December 10, 2007
Roubo de intimidade
Assaltante aborda casal aos beijos e pergunta, depois de avisar que é um assalto: "Vocês são amantes ou são namorados?"
Os dois pensam qual será a resposta correta, enquanto entregam seus pertences de valor.
Os dois pensam qual será a resposta correta, enquanto entregam seus pertences de valor.
Sunday, December 09, 2007
Raccord
Encaixadinho, ou desencaixado
perfeitamente desordenado
ordenando o caos.
E o silêncio como instrumento.
perfeitamente desordenado
ordenando o caos.
E o silêncio como instrumento.
Friday, November 23, 2007
Rio, 18 de novembro de 2007. Santos Dumont.
Anoitece azulado o Rio. Na pista, luzes vermelhas piscam piscam piscam enquanto procedimentos de decolagem são feitos. Há maresia em mim. Carrego dentro do avião - será que eles percebem? Domingo de sol depois de dias chuvosos traz a mais óbvia nostalgia no embarque: um caso de melancolia aérea com gostinho de quero-mais.
Sunday, November 18, 2007
Wednesday, November 14, 2007
Um bilhete em setembro
"(...)Apesar da ausência, há cores. Em mim, há cores quando penso em você. As cores sobrepõem-se à brancura, ao amargo da distância, à lentidão do tempo poético em volta do cronológico. Ver o branco me lembra das cores."
Wednesday, November 07, 2007
Shuffle
Setembro me lembra de julho - o verão acaba e pensa-se que o romance continuará. Estações mudam, bicicletas quebram e mesmo assim parece que tudo ficará bem. Submarino amarelo revelado deixa a vida real do lado de fora, quente e densa como o vento de verão. O céu continua azul, o mar é verde e isso tudo não tem pausa. Aqui não é verão em setembro. E já é novembro. Vontade de sair sozinha e criar um novo futuro pro meu passado.
Submarino amarelo revelado deixa a vida real do lado de fora, quente e densa como o vento de verão. O céu continua azul, o mar é verde e isso tudo não tem pausa. Vontade de sair sozinha e criar um novo futuro pro meu passado. Estações mudam, bicicletas quebram e mesmo assim parece que tudo ficará bem. E já é novembro.
Aqui não é verão em setembro.
Submarino amarelo revelado deixa a vida real do lado de fora, quente e densa como o vento de verão. O céu continua azul, o mar é verde e isso tudo não tem pausa. Vontade de sair sozinha e criar um novo futuro pro meu passado. Estações mudam, bicicletas quebram e mesmo assim parece que tudo ficará bem. E já é novembro.
Aqui não é verão em setembro.
Monday, November 05, 2007
29 de junho
silêncio estudado
estudando
o silêncio
pausa que serve
como parênteses
(pausa)
não é mudez
nem ausência
(é silêncio, presente)
estudando
o silêncio
pausa que serve
como parênteses
(pausa)
não é mudez
nem ausência
(é silêncio, presente)
Tuesday, October 30, 2007
Friday, October 26, 2007
SP
O caminho
Brasílio Machado>Marechal Deodoro>Anhangabaú>Nove de Julho>São Gabriel>Santo Amaro
O tempo
Aqui o tempo me engana. Rapidinho, já passou um mês e meio. Uso casaco, e esquenta. Não importa a hora em que eu saia de casa, chego atrasada. E o valor do tempo, esse sim, que me maltrata a todo instante.
A janela
Tudo cinza, a imagem que eu vejo. E lá no fundo, bem onde meus olhos não alcançam mais, uma varanda com gente feliz.
A língua
Não há muitos ruídos de comunicação; o que há é falha proposital. "Vou ao mercado de segunda e de quinta" não me parece a melhor forma de explicar a frequência. Então pergunto: "ah, de segunda a quinta?" ou "ah, às segundas e às quintas?" - prefiro assim, cariocamente.
Os encontros
Sinto falta do Jobi.
O caminho de volta
Santo Amaro>São Gabriel>Nove de Julho>Anhangabaú>Marechal Deodoro>Brasílio Machado
Brasílio Machado>Marechal Deodoro>Anhangabaú>Nove de Julho>São Gabriel>Santo Amaro
O tempo
Aqui o tempo me engana. Rapidinho, já passou um mês e meio. Uso casaco, e esquenta. Não importa a hora em que eu saia de casa, chego atrasada. E o valor do tempo, esse sim, que me maltrata a todo instante.
A janela
Tudo cinza, a imagem que eu vejo. E lá no fundo, bem onde meus olhos não alcançam mais, uma varanda com gente feliz.
A língua
Não há muitos ruídos de comunicação; o que há é falha proposital. "Vou ao mercado de segunda e de quinta" não me parece a melhor forma de explicar a frequência. Então pergunto: "ah, de segunda a quinta?" ou "ah, às segundas e às quintas?" - prefiro assim, cariocamente.
Os encontros
Sinto falta do Jobi.
O caminho de volta
Santo Amaro>São Gabriel>Nove de Julho>Anhangabaú>Marechal Deodoro>Brasílio Machado
Tuesday, October 16, 2007
24 de setembro
a primavera chegou ontem
e eu só me lembro
das folhas cariocas verdes
amarelas vermelhas
as folhas da beta
que eu ziguezagueio
sorrindo de bicicleta
aqui não vejo primavera
nem primaveras
vejo esse dia de hoje
quente e frio
num ritmo que não é meu
com lembranças alheias
sonhos distantes
e claustrofóbicos
a primavera aqui chegou
num domingo-domingo
com dificuldades tais
primavera é sábado
é rio
é amendoeira
é cor
saudade primaveril
folhas de memórias
distantes e minhas.
e eu só me lembro
das folhas cariocas verdes
amarelas vermelhas
as folhas da beta
que eu ziguezagueio
sorrindo de bicicleta
aqui não vejo primavera
nem primaveras
vejo esse dia de hoje
quente e frio
num ritmo que não é meu
com lembranças alheias
sonhos distantes
e claustrofóbicos
a primavera aqui chegou
num domingo-domingo
com dificuldades tais
primavera é sábado
é rio
é amendoeira
é cor
saudade primaveril
folhas de memórias
distantes e minhas.
14 de outubro
Daqui ela não sabe mais o que quer. Tenta focar, estabelecer prioridades mas a maresia a confunde. Quer a brisa, ela sabe. Quer o sol, o vento nos cabelos, o sal no corpo. Mas quer com quem? Sozinha não é suficiente, ela rege sua própria orquestra de um só instrumento; sua voz é apenas sua. Movimenta-se entre um lado e outro do desejo – há alguns desejos que deveriam ser apenas latentes mas que tentam chegar à superfície nesta cidade que a acolhe como nenhuma outra. Não queria esse confrontamento aqui; bem que poderia ter acontecido em algum outro lugar, pra levar daqui a idéia de que há constrangimentos em que ela mesma se coloca. A fantasia de criança tentou crescer em um ano e ela não quis, empurrou lá pra dentro do armário, junto com os choros de ontem. A cidade não pode ter esse peso, ou pelo menos assim ela quer. Essa cidade tem que ser apenas diversão, apenas areias entre os dedos, apenas chuva de verão, apenas o lar em que ela sabe que pode estar em segurança. A vida não parece mais tão presa a alguns quarteirões; há vida lá fora. Neste momento, o lá-fora é a cidade cinza que traz uma perspectiva tão diferente quanto improvável – é possível ser feliz sem o vento nos cabelos? Fecha os olhos, imagina a brisa, sente a maresia nas lembranças e vai em frente. A bicicleta perdeu as marchas, enferrujou a corrente e suja o vestido de graxa, mas ainda a leva à beira da lagoa, ao pier do passado lindo e do futuro promissor onde se ouve Beatles e se vê a luz amarela nas folhas vermelhas. É só lembrar, sempre, que a bicicleta fica destrancada na garagem mas que, se precisar, a chave tá dentro da bolsa. Da bolsa dela.
Friday, October 05, 2007
Thursday, October 04, 2007
Não-diário roubado
15 de janeiro
Aquela dorzinha habitual passou de hábito a vício, necessidade, fundamento. Me acalma e me salva de todo o resto.
(menos dela própria)
6 de março
da rede eu te vejo passar
deixo a bola cair
e sorrio pro vento
quando você chegar no dois irmãos
eu vou fazer um ponto
em sua homenagem
e fantasiar que um dia eu consiga
fazê-lo na sua frente
na minha rede
nossa.
6 de março (pensando em amanhã)
amanhã vou fazer o ponto
na sua frente.
mas como saberei que é você?
5 de maio
tudo sempre parece que vai dar certo
às nove da manhã de um dia qualquer.
8 de maio
e não é que você tinha razão?
24 de junho
já é inverno e as folhas amarelas do outono enfeitam o chão.
ziguezague veloz na bicicleta vermelha pra não atropelar a única prova da troca de estação.
aqui sempre parece verão.
5 de julho
Ele disse que o momento da vida é bem diferente da vida naquele momento.
Ela disse alguma coisa que eu traduzi. Mas traduzi pra própria língua dela.
"An ordinary man who climbs a tree and becomes an extraordinary guru."
Aquela dorzinha habitual passou de hábito a vício, necessidade, fundamento. Me acalma e me salva de todo o resto.
(menos dela própria)
6 de março
da rede eu te vejo passar
deixo a bola cair
e sorrio pro vento
quando você chegar no dois irmãos
eu vou fazer um ponto
em sua homenagem
e fantasiar que um dia eu consiga
fazê-lo na sua frente
na minha rede
nossa.
6 de março (pensando em amanhã)
amanhã vou fazer o ponto
na sua frente.
mas como saberei que é você?
5 de maio
tudo sempre parece que vai dar certo
às nove da manhã de um dia qualquer.
8 de maio
e não é que você tinha razão?
24 de junho
já é inverno e as folhas amarelas do outono enfeitam o chão.
ziguezague veloz na bicicleta vermelha pra não atropelar a única prova da troca de estação.
aqui sempre parece verão.
5 de julho
Ele disse que o momento da vida é bem diferente da vida naquele momento.
Ela disse alguma coisa que eu traduzi. Mas traduzi pra própria língua dela.
"An ordinary man who climbs a tree and becomes an extraordinary guru."
Friday, September 28, 2007
Allegro
Um dia eu chego lá.
"Allegro (italiano para alegre) é um andamento musical leve e ligeiro, mais rápido que o Allegretto e mais lento que o Presto. Nos metrônomos, o Allegro costuma situar-se entre 120 e 168 batidas por minuto."
"Allegro (italiano para alegre) é um andamento musical leve e ligeiro, mais rápido que o Allegretto e mais lento que o Presto. Nos metrônomos, o Allegro costuma situar-se entre 120 e 168 batidas por minuto."
Adagio
Tem que ir aos poucos, pianinho, num ritmo lento mas em movimento. Essa é a melhor forma; dizem.
Wednesday, September 26, 2007
Rascunho
Querida V.
Escrevi um email pra você mais cedo, mas acho que você ainda não leu - uma vez que não respondeu. Então escrevo pra complementá-lo com algumas outras sensações que me vieram durante o dia, enquanto eu digeria as idéias da nossa conversa de ontem. Toda a ironia que existiu na noite de ontem me fez rir muito. Que volta a vida deu em torno dela mesma. E transformou as novas pessoas em pessoas antigas com novos penteados. Riu de mim, o meu destino. Quantos planos eu fiz sobre viver novidades, sobre meu presente-futuro; e daí o passado vem e me surpreende. Mas tudo bem, no fundo achei engraçado e pude me divertir às custas de minha própria frustação neste momento. Hoje há mais motivos pra rir e eu te escrevo com a melhor das intenções otimistas: quero mesmo é dizer que eu sinto muito a sua falta, mas que eu vivo tranqüilamente com a sua ausência. Vou pegar a ausência pra mim, de presente, pra segurar no escuro e sentir você perto de mim, inspirada em C.D.A. Como é bom contar com a poesia nesses momentos, não é? Em todos os momentos, aliás, que besteira achar que é só agora que ela importa. Sempre importa, sempre importou. Importará.
Não precisa responder o email, só ter escrito já me fez bem.
Beijos com saudade assimilada
L.
Escrevi um email pra você mais cedo, mas acho que você ainda não leu - uma vez que não respondeu. Então escrevo pra complementá-lo com algumas outras sensações que me vieram durante o dia, enquanto eu digeria as idéias da nossa conversa de ontem. Toda a ironia que existiu na noite de ontem me fez rir muito. Que volta a vida deu em torno dela mesma. E transformou as novas pessoas em pessoas antigas com novos penteados. Riu de mim, o meu destino. Quantos planos eu fiz sobre viver novidades, sobre meu presente-futuro; e daí o passado vem e me surpreende. Mas tudo bem, no fundo achei engraçado e pude me divertir às custas de minha própria frustação neste momento. Hoje há mais motivos pra rir e eu te escrevo com a melhor das intenções otimistas: quero mesmo é dizer que eu sinto muito a sua falta, mas que eu vivo tranqüilamente com a sua ausência. Vou pegar a ausência pra mim, de presente, pra segurar no escuro e sentir você perto de mim, inspirada em C.D.A. Como é bom contar com a poesia nesses momentos, não é? Em todos os momentos, aliás, que besteira achar que é só agora que ela importa. Sempre importa, sempre importou. Importará.
Não precisa responder o email, só ter escrito já me fez bem.
Beijos com saudade assimilada
L.
Tuesday, September 25, 2007
Corporate
Dentro dos vidros que deixam o frio seguramente lá fora, junto com os aviões que passam quase-pousando, ela se isola da cidade. Fica o zumzumzum de um lado, ela do outro. As contas com muitos dígitos na planilha gritam por realidade mas ela ouve baixinho, baixinho, ao longe. A realidade dela é cada vez mais distante, num tempo passado e desprotegido. Pode ser que ela se acostume à ausência dos elementos vivos, sépticos, cheios de rachaduras e erros de percurso. E no futuro ela olhe tudo isso com grande pavor e pense que a melhor qualidade do presente é a certeza de que um ventinho não vai derrubar as folhas no chão. Elas já estão paralisadas, betamente alaranjadas, naquele chão cheio de lembranças e maresia.
Thursday, September 20, 2007
em 21/08
O diário não é mais escrito, as crianças louras cresceram e deixaram de ser louras, o mirante da Gávea foi desativado. Mas a noite continua longa e Cecilia mantém sua piedosa lírica.
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Tuesday, September 18, 2007
Monday, September 17, 2007
Estação Anhangabaú
O vagão pouco ocupado sinaliza que já é tarde. Ninguém espera pelo trem. Ele vai parando aos poucos, fazendo barulho com seus freios pra chamar a atenção dos possíveis passageiros. A estação está vazia.
De dentro dele, ela percebe o silêncio do lado de fora. O trem pára completamente. As portas abrem e revelam o casal, do lado de fora. Encostados na última pilastra da plataforma, eles se olham com intensidade. Abraçam-se e beijam-se com discrição apaixonada. Sorriem pros próprios sorrisos. Outro trem mais cheio chega e descarrega seus passageiros na pequena ilha formada pelos dois trilhos.
Há barulho; as pessoas movem-se com pressa, as portas fecham, o trem inicia seu novo trajeto. Ela acompanha, como num travelling com trilha incidental, o casal se perder em seus olhares, alheios à tudo, dentro do enquadramento das janelas sujas. Os cabelos brancos se destacam no meio da multidão e ela os vê até entrar no túnel.
O apaixonado casal de idosos continua amando-se na ilha deserta, com direito a palco, público e entrada gratuita no Anhangabaú.
De dentro dele, ela percebe o silêncio do lado de fora. O trem pára completamente. As portas abrem e revelam o casal, do lado de fora. Encostados na última pilastra da plataforma, eles se olham com intensidade. Abraçam-se e beijam-se com discrição apaixonada. Sorriem pros próprios sorrisos. Outro trem mais cheio chega e descarrega seus passageiros na pequena ilha formada pelos dois trilhos.
Há barulho; as pessoas movem-se com pressa, as portas fecham, o trem inicia seu novo trajeto. Ela acompanha, como num travelling com trilha incidental, o casal se perder em seus olhares, alheios à tudo, dentro do enquadramento das janelas sujas. Os cabelos brancos se destacam no meio da multidão e ela os vê até entrar no túnel.
O apaixonado casal de idosos continua amando-se na ilha deserta, com direito a palco, público e entrada gratuita no Anhangabaú.
Sunday, August 05, 2007
Dia
Cheia de domingos-domingo, ela ouve Tom Waits enquanto tenta estabelecer sentido nas palavras. Sente-se incompleta. O piano marca mas é o contra-baixo que a leva até ele. Procura a saída do sonho que construiu- como a moça cantou, antes de revelar o cansaço de limpar a sujeira dele. A fumaça fechada no bar já matou as flores há muito tempo mas ela ainda pergunta se o seu fim estaria mesmo próximo, naquelas cortinas de veludo vermelho cheias de histórias veladas que esperam para velar a dela também. Talvez já tenha acabado, uma vez que o passado não a assusta; é parte integrante dela, assim como a última palavra que escreveu. O ponto final ainda é futuro, ela sente como se tivesse uma última certeza. Quando os domingos-domingo passarem, quando ela se curar de sua depressão dominical aguda, será que continuará sentindo o grave vibrar da corda levantando-a da cama, adocicando o gosto da solidão? Domingos-domingo foram criados por ela, são seu método, sua satisfação gloriosa, sua fuga consciente ao interior das palavras perdidas, das emoções imprecisas, da inconseqüente fragmentação estabelecida como fundamento. Não há mágica, golpe de mestre, macumba, esquema, jeitinho. Não há segunda-feira que resista à ausência de domingos-domingo.
Monday, July 30, 2007
tese
ainda há peixes na Lagoa,
ela constata ao aumentar
os beatles no ouvido
e alimentar a nostalgia.
sol de junho -
timeless june –
revela a árvore
solitária
e misteriosa
da Pedra da Gávea.
o pier mantém o tempo
no passado
naquele tempo
em que não existia
beatles em seu ouvido
mas já existiam
peixes na Lagoa.
ela constata ao aumentar
os beatles no ouvido
e alimentar a nostalgia.
sol de junho -
timeless june –
revela a árvore
solitária
e misteriosa
da Pedra da Gávea.
o pier mantém o tempo
no passado
naquele tempo
em que não existia
beatles em seu ouvido
mas já existiam
peixes na Lagoa.
antítese
o menino pega a bicicleta
encaixa a guitarra no suporte lateral
e sai pedalando
olhando o canal
enquanto fantasio
com esse futuro
o menino pedala
e eu vejo
a minha juventude
passada.
sorrio honestamente -
o menino olha pra trás,
sorrindo e pedalando,
tão livre no seu presente.
encaixa a guitarra no suporte lateral
e sai pedalando
olhando o canal
enquanto fantasio
com esse futuro
o menino pedala
e eu vejo
a minha juventude
passada.
sorrio honestamente -
o menino olha pra trás,
sorrindo e pedalando,
tão livre no seu presente.
síntese
na fila do mercadinho, a senhorinha fala
hoje é domingo
você é jovem
(olha o relógio)
e ainda precisa lavar o cabelo.
hoje é domingo
você é jovem
(olha o relógio)
e ainda precisa lavar o cabelo.
Saturday, June 09, 2007
bloquinho de anotações
enquanto a neblina encobrir o morro, ah, eu posso ser feliz nessa terra cinza. e esperar horas no aeroporto sem teto olhando o céu através do vidro novo que deixa a luz da cidade entrar. e quando o azul encontrar meus olhos, direi "olha o azul!" apontando pra um lugar em que nada se vê. eu vejo você. vejo a ausência de reflexo na água distante e escura. vejo o silêncio impresso nas pausas. vejo o hiato que há na saída. e daí posso ir, sabendo que tudo o que não está continuará não-estando por aí. enquanto a neblina encobrir, eu estarei seguramente coberta. mantinha quentinha na lembrança, a moça chama um passageiro que não sou eu no auto-falante. desconecta minha memória e eu vejo o tempo passando. é bom esperar vendo o tempo passar devagar. depressa é ruim. o mate já ficou quente, o sol brilhou mais forte, o morro já dá pra ver, o vôo vai sair. tem que pedir o lado direito, se quiser ver a vista linda. eu sempre quero, né. os monumentos de cor azul-cinza, dois irmãos brincando no mar e a música, e a música. o vizinho faz anotações em sol maior e eu consigo vê-lo no ar. são as nuvens, é o mar. aquele mesmo mar de sempre.
Wednesday, May 30, 2007
Desencontro
Me disse que queria me ver. Ou era ter e eu nem notei? Queria estar comigo, bater um papo, tomar um café. Fazer filhos, talvez. Riu. Sequer entendi o resto, tão ocupada em ouvir as crianças chorarem no nosso futuro familiar.
Encontro
Ele é um gato. Poderia chamá-lo de AS e escrever linhas românticas e sem fundamento. Roubaria idéias de JA, WW, TJ e, claro, AC. Faria declarações de amor ao desconhecido AS, em nome da poesia, apoiada em Platão – a quem jamais chamaria de P. Relembraria nosso café-da-manhã no Garcia & Rodrigues (GR?), em mesas separadas mas com olhares encontrados. AS lia os jornais do dia, prestava atenção na minha conversa e no meu decote com sorriso maroto e sacana. AS sabe olhar um decote com polidez e interesse. Furtou sorrisos meus, que eu disfarçava fingindo que eram pra minha interlocutora AM, que mal percebeu meu flerte. Muito discreto ou até invisível foi nosso encontro. AS e eu esperamos o momento certo e depois o deixamos passar pra podermos viver desta possibilidade duvidosa que foi o nosso caso de amor. LG e AS, eternamente separados pelo rigor de nossas próprias construções sobre o amor à primeira vista.
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Tuesday, May 29, 2007
Diário público
Naquele lugar, só a gente sabia ser feliz. Era fácil, até. Quatro paredes, uma cama, tantos sonhos e realidades e aquele janelão que trazia as coisas lá de fora. Nada perturbava a perfeição. O calor não atrapalhava. Nem o Natal, que chegava. Nem o piano do vizinho, tecla por tecla. Nem o fim iminente. Nem o amor. Nada, nada, nada. Os sorrisos eram muitos, os arrepios tão naturais como o quente vento noturno e a gente mal sabia que aquele lugar estava fadado ao nosso sucesso. Só nosso. As lembranças do quarto nos pertencem tanto quanto os segredos que criamos naqueles lençóis, ao ouvirmos o dó-re-mi solitário e distante, ao nos perdermos sem medo do fim, ao bater do relógio. O tempo parou num instante que durou um verão inteiro. A gente só sabia ser feliz naquele lugar, meu bem.
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Monday, May 28, 2007
Desorganize-se
O vento quente me levou ao Arpoador pra ver a lua cheia. Era tão clara a noite que nem parecia dia de finados; tava mais pra carnaval. Na beira das pedras, umas crianças magras brincavam no mar, levando caixotes propositais e rindo um riso gostoso que ecoava nos prédios e voltava pra eles em forma de quero-mais. Queria que aquela fosse a minha memória de infância. Talvez eu devesse incorporá-la às minhas lembranças construídas, assim como o soltar pipa com que sempre sonhei.
Organize-se
“Estou desorganizada porque perdi o que não precisava?(…) É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo.”
C.L. em Paixão Segundo G.H.
C.L. em Paixão Segundo G.H.
Monday, June 12, 2006
sejam bem-vindas as palavras
Palavras que escapam pelos dedos. Tem que agarrá-las, firmemente. Não pode deixá-las fugir. Sumidas, fazem a maior bagunca nesta cabecinha mundana, cheia de dúvidas e questões. Cheia de outras palavras e interrogações. Eu quero exclamações, vírgulas e felizes pontos finais. Quero a alegria de ver a página cheia de palavrinhas que combinam entre si. Ou que descombinem. Quero ver as palavras me acordando durante a noite. Quero palavras bem vivas. Dançando no escuro do quarto, no claro da cabeça, em tudo que é lugar. Chega de palavras burocráticas, que só batem o ponto e esperam salário no fim do mês. As palavras têm que ter alegria de viver, sair pra tomar chope depois do expediente, acordar com vontade de povoar minhas linhas, combinadas ou não. As palavras precisam se unir, formar um sindicato, criar uma auto-regulamentação. Tô pronta pra ouvir críticas e sugestões. Mas que elas, por favor, voltem a freqüentar as páginas em branco do meu caderninho interior.
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