Thursday, October 30, 2008

respiro


uma banheira tem quatro pés
mais quatro
de unhas vermelhas
que tentam pegar bolhas
na mão.


basta um sopro fatal
pra bolha tornar-se
água com sabão.

(foto de Francesca Woodman)

Tuesday, October 28, 2008

cruel

Mexe no cabelo enquanto rege
a orquestra do silêncio –
fora do tom.

subtexto

Sempre queremos ter todas as evidências da posição que ocupamos. Sempre. Carimbo na folha que diz "sou especial", com assinatura registrada em cartório e cuspe para comprovar, no amassado do papel, que o documento foi revisado por cinco pessoas que mal sabiam da verdade. Quanta formalidade para entendermos que aquilo não vale nada. É um papel, mera soma de cuspe e caneta e árvores mortas. Comparado ao olhar na cama, ao abraço em que o outro se acomoda perfeitamente nos seus braços e, quentinho, te ouve dormir. O que seria da poesia se tudo precisasse ser tão explorado por todos, tão claro paraomundointeiro, tão explícito, que não haveria nada de íntimo para colocar em entrelinhas. A intimidade que se constrói estando com a pessoa amada não diz respeito a muitos. Só quem ama sabe porque, e como, ama. Só quem é amado sabe reconhecer o amor nos gestos menos amorosos.

Prefiro me transformar na despistada sem glamour, sem faixa de eu te amo, sem flores na recepção, sem violinos na despedida.

Talvez eu prefira, mesmo, a autenticidade do telefone desligado na cara e do beijo na madrugada, de olhos fechados, sem ver teu rosto, mas sabendo que ele me olha mesmo sem ver.

Friday, October 17, 2008

fora de quadro

deixei o teu bolo em versos de lado
pra saber o que seria eu
do lado de lá
do espelho da cozinha

Thursday, October 16, 2008

rosário

um bom café na tarde
de coador
sem qualquer glamour
não-expresso
na delícia de ser simples
numa rede que enxerga,
de longe,
prédios imensos
com janelinhas
atravancadas de dor.