Thursday, December 04, 2008

Thursday, November 27, 2008

jeitinho

"It pained him tremendously that their wedding night was not simple, when their love was so obvious"
em On Chesil Beach, de Ian McEwan

Thursday, October 30, 2008

respiro


uma banheira tem quatro pés
mais quatro
de unhas vermelhas
que tentam pegar bolhas
na mão.


basta um sopro fatal
pra bolha tornar-se
água com sabão.

(foto de Francesca Woodman)

Tuesday, October 28, 2008

cruel

Mexe no cabelo enquanto rege
a orquestra do silêncio –
fora do tom.

subtexto

Sempre queremos ter todas as evidências da posição que ocupamos. Sempre. Carimbo na folha que diz "sou especial", com assinatura registrada em cartório e cuspe para comprovar, no amassado do papel, que o documento foi revisado por cinco pessoas que mal sabiam da verdade. Quanta formalidade para entendermos que aquilo não vale nada. É um papel, mera soma de cuspe e caneta e árvores mortas. Comparado ao olhar na cama, ao abraço em que o outro se acomoda perfeitamente nos seus braços e, quentinho, te ouve dormir. O que seria da poesia se tudo precisasse ser tão explorado por todos, tão claro paraomundointeiro, tão explícito, que não haveria nada de íntimo para colocar em entrelinhas. A intimidade que se constrói estando com a pessoa amada não diz respeito a muitos. Só quem ama sabe porque, e como, ama. Só quem é amado sabe reconhecer o amor nos gestos menos amorosos.

Prefiro me transformar na despistada sem glamour, sem faixa de eu te amo, sem flores na recepção, sem violinos na despedida.

Talvez eu prefira, mesmo, a autenticidade do telefone desligado na cara e do beijo na madrugada, de olhos fechados, sem ver teu rosto, mas sabendo que ele me olha mesmo sem ver.

Friday, October 17, 2008

fora de quadro

deixei o teu bolo em versos de lado
pra saber o que seria eu
do lado de lá
do espelho da cozinha

Thursday, October 16, 2008

rosário

um bom café na tarde
de coador
sem qualquer glamour
não-expresso
na delícia de ser simples
numa rede que enxerga,
de longe,
prédios imensos
com janelinhas
atravancadas de dor.

Thursday, September 18, 2008

cegueira

a fôrma de cego,
armação de óculos sem aro,
transforma a forma
em ritual.

faz do vinho mera
lembrança
de acidez roxa
e amoral.

Monday, August 11, 2008

Friday, July 25, 2008

"Uma anotação de Kafka, em seu diário, pode resumir meu estado de espírito da época: 'Meu amor por você não ama a si mesmo.' Eu não me amava por amar você."

Mais um trecho de "Carta a D.", de André Gorz.

Wednesday, July 23, 2008

O restante

"Estava consciente de que, ‘quanto tudo tiver sido dito, tudo ficará por dizer, sempre restará tudo a dizer‘ - em outras palavras, é o dizer que importa, não o dito -, isso que eu tinha escrito me interessa muito menos do que aquilo que poderia vir a escrever em seguida. Acho que isso é verdade para todo escrevedor/escritor."

de André Gorz, em "Carta a D."

Tuesday, July 22, 2008

Revelação

"Somos mortais porque vivemos no passado e no futuro – porque lembramos um tempo em que não existíamos e antevemos um tempo em que estaremos mortos. Aqueles versos chegaram a mim através de sua música. Eu pensava que a linguagem fosse um modo de dizer as coisas, de externar queixas, de dizer que se estava feliz ou triste etc. Mas quando escutei aqueles versos (e os continuo estudando, em certo sentido, desde então), soube que a linguagem podia também ser música e paixão. E assim me foi revelada."

(Jorge Luis Borges, em "Esse ofício do verso")

Wednesday, July 16, 2008

sobre o amor

"Você era quem punha entre parênteses esse mundo ameaçador."

André Gorz, em "Carta a D."

Thursday, July 10, 2008

Orfeu + Eurídice

Silencia as sereias que te silenciam
com ou sem
lira.

Aposta nisso e te vira;
há mais música no silêncio
do que pode ouvir.

Pressente a lira calada
em ti.

Pega o vulto e dança
a dança dos perdidos
que sofrem pelo intocável.

O mistério não é o canto da sereia,
e sim a pausa.

Guarda tua estátua de sal
e toma pra ti apenas
o que é suficiente:
aquele suspiro.

Wednesday, July 09, 2008

Lição: silêncio

"Mantinha os olhos fixos nos lábios de Hervé Joncour, como se fossem as últimas linhas de uma carta de adeus."

(de Alessandro Baricco, em Seda)

Monday, June 09, 2008

Being aristocratic

"'That's the great thing,' Isabel solemnly pondered; 'that's the supreme good fortune: to be in a better position for appreciating people then they are for appreciating you.' And she added that such, when one considered it, was simply the essence of aristocratic situation. In this light, if in none other, one should aim at the aristocratic situation."

(de Henry James, em The portrait of a lady - copiado da querida amiga Luiza)

Wednesday, May 07, 2008

incompleto

era um romance
epistolar
sem selos,
só com a intenção
da correspondência.

pausa dramática
como clímax
concebeu uma
historinha
sem registro.

epistolei o subtexto.

Êxtase

"Apesar dos seus trinta anos, Bertha Young ainda tinha desses momentos em que ela queria correr em vez de caminhar, ensaiar passos de dança subindo e descendo da calçada, sair rolando um aro pela rua, jogar qualquer coisa para o alto e agarrar outra vez em pleno ar, ou apenas ficar quieta e simplesmente rir - rir - à-toa."

Início do conto "Bliss", de Katherine Mansfield - tradução de Ana Cristina Cesar.

Monday, May 05, 2008

japão

Chove nas ruas desertas
do centro que é
periferia.
Do lado de dentro
há violinos e suspiros
e stimmung.

O adágio ficou pra trás
sem ser interrompido.
Há som no silêncio
aparente, meu bem.

Percebo o novo desejo:
um conjunto de chá -
louça chinesa -
bem aristocrático
num dia de frio
em nossa lareira.

Wednesday, April 30, 2008

Fala entupida

You speak a language that I understand not.

"The Winter's Tale", de William Shakespeare.

lareira

a falta do olhar em mim preenche
um espaço, que traz em si
uma dúvida.

não há ausência na falta –
ele disse lá atrás e eu confirmo:
ela é cheia de conteúdos que
exaltam o vazio decrescente
de um conhecimento inato.

o frio já chegou, o quente
do quarto ainda existe
pra provar que na falta existe aconchego.

de dentro pra fora as faltas
vão ocupando um espaço
inverso àquele que um dia foi a origem
do receio de ir.

da janela inclinada é possível ver
que amanhã pode fazer um lindo
novo dia.

Tuesday, April 29, 2008

Sala Vazia

A mobília de mogno perpetua
entre a indecisão do brocado
sua tertúlia de sempre.
Os daguerreótipos
mentem sua falsa proximidade
de tempo detido em um espelho
e se perdem perante nosso exame
como datas inúteis
de esmaecidos aniversários.
Há muito tempo
suas vozes aflitas nos procuram
e agora existem apenas
nas primeiras manhãs de nossa infância.
A luz do dia de hoje
exalta os vidros da janela
ao vir da rua de clamor e vertigem
e confina e apaga a tênue voz
dos antepassados.

de Jorge Luis Borges

Friday, April 18, 2008

quatro

trivial e mágico,
como bolinhas de sabão.

Monday, April 14, 2008

a questão

“Yet we cannot live our daily lives in a realm of pure ideas, cocooned from sense-experience. The question is not, How can we keep the imagination pure, protected from the onslaughts of reality? The question has to be, Can we find a way for the two to coexist?”

DISGRACE, de J.M. Coetzee

Thursday, April 10, 2008

de verdade

"After six months or so she gave in and married him without reciprocating love but devotedly, honestly, determined to give her full share and try hard to give even more. They were both capable of compassion and gentleness. When they made love they no longer hurt each other but strove to be attentive and generous. Teaching and learning. Getting close. Not pretending."

TO KNOW A WOMAN, de Amós Oz

heights

Me perdi no teu domínio da língua
que me domina
como você
me usa como advérbio
pra determinar tempo curto
e passado.

Tuesday, March 18, 2008

Não-diário roubado

15 de janeiro

o cavalo marinho me olha dormir
e é com ele que eu sonho.

18 de março

três meses de sonhos
e sonos.

Sunday, February 17, 2008

perdi a memória
no piscar de olhos
da boneca de porcelana.

Wednesday, January 16, 2008

Clichê

Ela era um clichê. Enquanto ouvia a Primavera de Vivaldi e encenava mentalmente um longo plano-sequência em que estalava os dedos, em frente ao laptop, e os mexia como um pianista e suas articulações. Que grande idéia precisa vir, que grande texto sairá dessas pontas de dedos com unhas escuras decadentemente descascadas. Esse seria o subtexto. Mas o texto seria outro.

“O que fazer quando se tem vontade mas não se tem idéia?”

Há muito mais idéias em mim do que mim nas minhas idéias, ela pensaria se deixasse espaço para trocas despreocupadas de pronomes oblíquos por pessoais. Fazia tempo que não usava esses termos. Talvez nem lembrasse mais deles. Talvez estivessem errados.

O clichê se manifesta de diversas formas mas o mais claro, para ela, é a falta de foco. Se fosse mais corajosa, tomaria uma dose de whiskie ainda vestindo a camisola de florzinha que ganhou da avó no Natal. Pegaria um cigarro de filtro amarelo e se sentiria uma prima distante de Byron. Uma prima tropical, que sonha com grandes gestos românticos, com a morte na juventude, com a fama póstuma. Mas já é tarde. Já é velha pra morrer cedo.

Vivaldi fica em segundo plano no momento em que os carros buzinam na rua e ela vai até a janela olhar o que acontece. Um engarrafamento. Um simples engarrafamento acontece na porta de seu prédio, a partir de uma moça de carro azul metálico que tenta fazer uma baliza e impede que os outros carros passem no sinal verde. O sinal fecha. Os carros buzinam, demonstram irritação os motoristas. Vivaldi aumenta o volume – não literalmente, é claro. O adágio do começo do parágrafo acaba e agora um andante passa a ser ouvido até pelas buzinas. Há todo um descontrole. Buzina em forma de corneta, parece.

Há corneta em Vivaldi? Violinos, há. Aos montes, as cordas acordam e gritam a resposta. Bobinha, nem sabe nada de música e fica tentando classificar o tom da buzina.

A camisola florida sai da janela, e acende um cigarro fictício que só existe no plano-sequência. Na realidade não entra cigarro no quarto. Odeia o cheiro de cigarro dentro de um lugar fechado. Acha chato pensar isso, muda de assunto porque o fluxo do pensamento é seu e nada pode interferir a sua vontade de ser interessante. O copo de whiskie já esvaziou, porque houve um corte e o plano-sequência acabou. Uma série de pequenos planos próximos, bem fechados, mostram suas unhas descascadas e a fumaça de cigarro em cima do teclado branco já muito sujo. Contra-baixo marca a montagem. Uma nota, um corte. Uma nota, um corte. Planos rápidos, clima montado. É facil criar clima através da montagem, ela sempre diz.

Tenta acompanhar o ritmo da música nas pontas dos dedos nas teclas com letras que imagina serem notas musicais. Palavras são notas, são música nos ouvidos dela, porque escrever é também ouvir. Ouve-se a sua própria voz lendo as palavras que inventa, ao mesmo tempo em que elas são inventadas. Como se a mente soprasse pros dedos as palavras, sussurrasse no pé do ouvido dos dedos, como se revelasse uma senha secreta, piano. Piano entra.

Há uma ruptura na peça. Ou no arquivo digital em que a peça está inserida e um silêncio toma conta do quarto.

Comove-se com o silêncio.

Em todos os níveis, sempre. O silêncio é uma pausa que a ensurdece porque nele cabe tudo e não cabe nada. Há sempre espaço faltando e espaço sobrando no silêncio. Há sempre uma promessa que está por vir. Há sempre uma decepção. O silêncio a acompanha no ritmo dos seus dedos. O silêncio é dela. Estala os dedos, sem pressa, ajeita a camisola, coça o olho direito que está ressecado por causa da fumaça do cigarro aceso dentro do quarto fechado. Há uma vocação para a depressão que a deixa irritada. Gosta de um drama, de uma cena. O silêncio privilegia o drama. Na comédia é preciso que haja a risada, senão fica sem saber se está agradando o público. O silêncio no drama é aplauso. É aprovação. Tosses, pigarros e ruídos de cadeiras velhas são a glória para o drama. Desconforto. Silêncio e desconforto. Não entende porque pensa agora em teatro. Foi parar no teatro a partir de quê, mesmo? Não compreende como chegou ali. Antes, quando pensava em silêncio, vinha a imagem de uma biblioteca imensa, cheia de estantes de madeira escura, coberta de edições encadernadas de belos livros antigos. Daqueles com letrinhas douradas na lombada. Aqueles que a gente chama de livro. Quando pensa em livro, na palavra livro, no objeto livro, pensa nessas lombadas. Há uma magnitude diferente. Livro é aquilo. Os romances que lê todos os dias são outra coisa, são desapegados da mítica dos livros, são meros produtos de perfumaria intelectual.

Tosse. Tosse três vezes. Desconforto ou excesso de fumo fictício?

O primeiro “tosse” era substantivo. O segundo, verbo. Deu pra entender? Quis deixar o duplo sentido. Será uma repetição do substantivo ou terá sido uma elipse de pessoa? Poderia dizer “ela tosse”. Mas prefere assim, porque a música a deixou confusa por uns instantes e a porta se abriu e deu pra ouvir o Jornal Hoje na televisão da sala. E a tosse parou, talvez por causa do susto, como um soluço.

“É o meu primeiro romance” – a personagem falou. E foi lindo, porque é ao mesmo tempo o primeiro romance que ela escreveu, uma vez que o começou quando ainda era uma estudante de enfermagem na guerra, mas também porque foi a primeira história que construiu, a partir de uma observação equivocada sobre fatos que ocorreram num verão quando tinha onze anos. Criar uma história aos onze anos e a publicar aos setenta e sete deve ser um alívio e um horror. Se ainda fantasiasse com o plano-seqüência, não teria deixado a trilha sonora mudar como agora. E se realmente vivesse um clichê interminável, ouviria uma velha vitrola e o disco arranharia e voltaria ao adágio do momento em que o carro buzinou e ela levantou com a camisola florida.

Mas a realidade é cruel. Já acabou o Outono de Vivaldi. E a próxima faixa, a que toca agora, ao mesmo tempo em que ela ouve num volume muito baixinho as palavras sussurradas na ponta dos dedos, é Someone to Watch Over Me. Quase não as ouve mais, só parte delas, faz um grande esforço pra ouvir mas a mente está rouca, cansada, emudecida.

Silêncio. Tosse.

Friday, January 11, 2008

Resolução

Nota para mim mesma: em 2008, evitar ser acusada por pseudo-criações. Evitar receber emails que envolvam as palavras "produziu essa ficção" - quando não há ficção, só vida real.

Evitar ficções, confusões e relações desnecessárias.

Só as necessárias serão aceitas.

Wednesday, January 02, 2008

Não-diário roubado

1 de novembro

a sala de espera
me ensina
a doce loucura
da espera ativa
na luz encantadora
dos olhos passados.

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dance, magritte, dance
que eu olho com os grandes
que tenho, curiosos,
lembro de você na parede
com a luz novaiorquina
tão rica de lembranças
e suspiros.
agora é aqui,
tua cópia é original
pra mim.



30 de dezembro

O não-diário quase que caiu em desuso
na cidade cinza.
Não há entradas,
só saídas.

A maior saída é ela.

O não-diário retroativo

Pode-se escrever diário
Apenas de memória
Com a lembrança dos dias
Em silêncio?

Se sim:

19 de dezembro

suas palavras de ontem
se fazem presentes e reais
um presente
de Natal
sem fita
com laço.

20 de dezembro

Rumo a um desconhecido
estar em mim.
Doce novidade,
cheia de medos
e vozes efêmeras.

25 de dezembro

a saudade comprova a certeza do que eu quero

30 de dezembro

O ano se despede de mim
com um sorriso sacana
“Pensou que sabia tudo, é?”
Não sei de nada, 2007.
Avisa pro seu amigo 2008
que esse ritmo do fim de ano
foi ótimo
e que surpresas são bem-vindas desde janeiro.
Não deixe pra dezembro, 2008,
por favor.

Obrigada,
L.